sexta-feira, 9 de outubro de 2009

NARCISISMO

ALEXANDER LOWEN

O narcisismo descreve uma condição psicológica e uma condição cultural. Em nível individual, indica uma perturbação da personalidade caracterizada por um investimento exagerado na imagem da própria pessoa à custa do self (eu profundo).

Os narcisistas estão mais preocupados com o modo como se apresentam do que com o que sentem. De fato, eles negam quaisquer sentimentos que contradigam a imagem que procuram apresentar. Agindo sem sentimento, tendem a ser sedutores e ardilosos, empenhando-se na obtenção de poder e de controle. São egoístas, concentrados em seus próprios interesses, mas carentes dos verdadeiros valores do self - notadamente, auto-expressão, serenidade, dignidade e integridade. Aos narcisistas falta um sentimento do self derivado de sensações corporais. Sem um sólido sentimento do self, vivem a vida como algo vazio e destituído de significado. É um estado de desolação.

Em nível cultural, o narcisismo pode ser considerado como perda de valores humanos - uma ausência de interesse pelo meio ambiente, pela qualidade de vida, pelos seres humanos seus semelhantes. Uma sociedade que sacrifica o meio ambiente natural em nome do lucro e do poder revela sua insensibilidade em face das necessidades humanas. A proliferação de coisas materiais converte-se em medida de progresso na vida. Quando a riqueza ocupa uma posição mais elevada do que a sabedoria, quando a notoriedade é mais admirada do que a dignidade, quando o êxito é mais importante do que o respeito por si mesmo, é porque a própria cultura sobrevaloriza a "imagem" e deve ser considerada narcisista.

O Pessoal e o Cultural

O narcisismo do indivíduo corre paralelamente com o da cultura. Modelamos nossa cultura de acordo com nossa imagem e, por sua vez, somos modelados por essa cultura. Podemos entender uma sem compreender a outra? Pode a psicologia ignorar a sociologia, ou vice-versa?

Nos quarenta anos em que venho trabalhando como terapeuta, presenciei uma acentuada mudança nos problemas de personalidade das pessoas que me consultam. As neuroses de antigamente, representadas por culpas, ansiedades, fobias ou obsessões incapacitadoras, não são comumente vistas hoje em dia. Vejo, pelo contrário, mais pessoas que se queixam de depressão; elas descrevem uma ausência de sentimento, um vazio interior, uma sensação profunda de frustração e de insatisfação com o que lograram realizar na vida. Muitas delas são bem-sucedidas em seu trabalho, o que sugere uma divisão entre o que realizam no mundo e o que vai em seu íntimo. O que parece algo estranho é uma relativa ausência de ansiedade e culpa, apesar da seriedade do distúrbio. Essa ausência de ansiedade e culpa, conjuga da com a ausência de sentimento, gera uma impressão de irrealidade em torno dessas pessoas. Seu desempenho - social, sexual e profissional – parece eficiente demais, mecânico demais, perfeito demais para ser humano. Elas funcionam mais como máquinas do que como pessoas.

Os narcisistas podem ser identificados por sua falta das melhores qualidades humanas: ternura, compaixão, solidariedade. Não sentem a tragédia de um mundo ameaçado por um holocausto ambiental, nem a tragédia de uma vida consumida tentando provar seu valor a um mundo indiferente. Quando a fachada narcisista de superioridade e singularidade desmorona, permitindo que a sensação de perda e tristeza se torne consciente, é frequentemente tarde demais. Um homem, diretor de uma grande companhia, foi informado de que tinha câncer incurável. Diante da iminente perda da vida, descobriu o que a vida era. "Nunca dei atenção a flores antes", explicou ele, "nem ao sol e aos campos. O amor não teve lugar em minha vida". Pela primeira vez em sua vida adulta, esse homem foi capaz de chorar e de pedir ajud a à sua esposa e filhos.

Sanidade e Loucura

O meu tema é que o narcisismo denota um grau de irrealidade no indivíduo e na cultura. A irrealidade não é apenas neurótica, ela toca "as raias da psicose”. Existe algo de loucura num padrão de comportamento que coloca a ambição de êxito acima da necessidade de amar e ser amado. Há algo de loucura numa pessoa que não está em contato com a realidade de seu ser - o corpo e suas sensações. E existe algo de loucura numa cultura que polui o ar, as águas e aterra em nome de um padrão de vida "mais elevado".

Mas, pode uma cultura ser insana? Em psiquiatria, esta idéia dificilmente é aceita como conceito. De um modo geral, a loucura é vista como o estigma de um indivíduo que está alienado da realidade de sua cultura. Por este critério (o qual possui sua validade), o narcisista bem-sucedido está longe de ser louco. A menos... a menos, é claro, que exista alguma insanidade na própria cultura. Pessoalmente, vejo a atividade frenética das pessoas em nossas grandes cidades - pessoas que estão tentando ganhar mais dinheiro, conquistar mais poder, ir em frente - como uma ponta de loucura. Não é o frenesi um sinal de loucura?

Para entendermos a insanidade embutida no narcisismo, necessitaremos de uma visão mais ampla, não-técnica, dos problemas de personalidade. Quando dizemos que o ruído na cidade de Nova Iorque, por exemplo, é suficiente para "enlouquecer" qualquer mortal, estamos falando numa linguagem que é real, humana e significativa. Quando descrevemos alguém como "um tanto louco", estamos expressando uma verdade não encontrada na literatura psiquiátrica. Acredito que a psiquiatria ganharia muito se ampliasse seus conceitos e compreensão de modo a incluir a experiência que as pessoas expressam em sua linguagem comum, cotidiana.

O meu tratamento de pacientes narcisistas é dirigido no sentido de ajudá-los a estabelecer contato com seus corpos, a recuperar seus sentimentos suprimidos a reaver sua humanidade perdida. Tal abordagem implica trabalhar para reduzir as tensões e a rigidez musculares que refreiam os sentimentos da pessoa. Mas nunca considerei as técnicas específicas que uso como a coisa mais importante. A chave para a terapia é a compreensão. Sem compreensão, nenhuma abordagem ou técnica terapêutica é significativa ou eficaz em nível profundo. Somente com compreensão é possível oferecer uma ajuda real. Todos os pacientes buscam desesperadamente alguém que os compreenda. Quando crianças, não foram compreendidos por seus pais; não foram vistos como indivíduos dotados de sentimentos nem tratados com respeito por sua condição humana. Um terapeuta que não discirna a dor em seus pacientes, que não perceba o seu medo e ignore a intensidade da luta que travam para conservarem sua sanidade, numa situação familiar suscetível de levá-los à loucura, não poderá ajudar eficazmente os pacientes a resolverem o distúrbio narcisista.

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